Com dezoito anos eu era um jovem provinciano inexperiente no que respeita ao amor e ao sexo, mas, como é próprio da idade, com alto nível de testosterona. Ansiava deitar-me com uma mulher, ser virgem parecia-me ser pouco próprio para a minha idade.
No dia do meu vigésimo aniversário, tive a minha primeira vez com uma mulher (era mais velha que eu), que se empregara na pensão onde eu estava hospedado em Lisboa. Chamava-se Márcia, tinha-a conhecido duas semanas atrás. Nesse dia eu chegara à pensão ao fim do dia e preparava-me para ir tomar um banho, mas ainda no corredor, uma das empregadas, uma minhota de palavrão fácil, ao passar por mim diz-me em tom confidencial: Há uma pessoa que te quer conhecer, inquiri, também em surdina, quem me queria conhecer, mas ela em voz alta, já a entrar na lavandaria, disparou: Despacha-te caralho, vais ficar preso pelo beicinho (escrevi uma palavra obscena, não é que eu goste deste tipo de linguagem, arrisco-me que me julguem mal educado, mas escrevi-a só porque quero ser o mais possível fiel aos acontecimentos e, como eu disse atrás, a empregada era minhota e no falar do Minho a dita palavra não soa a obscenidade). Dito daquela maneira, insinuando que era uma mulher que me queria conhecer, o caso adquiriu um cariz misterioso, quiçá até excitante.
Fui rápido a tratar da minha higiene, meia hora depois já eu estava à porta da lavandaria querendo saber quem me queria conhecer. A empregada minhota passava a ferro roupa de cama, mas nisto alguém me pediu licença para entrar e eu cedi-lhe passagem. Era uma mulher por mim desconhecida, a minhota disse-lhe: é este o moço. A desconhecida rodopiou e enfrentou-me, ficou tão perto de mim que não pude apreciar as suas formas. O rosto sim, de traços inconfundíveis do sangue africano. Pele morena, lábios afros realçados por um brilho lustroso, dentes muito brancos e bem alinhados. Cabelos negros ondulados, olhos grandes e brilhantes. A blusa de malha fina, justa ao corpo, enfatizava o volume dos seios. Enfim, uma mulher muito bonita, não só vista de frente, mas vista por trás. As formas do seu corpo, verdadeiramente esculturais, só no dia seguinte, quando ela percorria o corredor, as pude apreciar. Ela estava ciente e orgulhosa da beleza do seu corpo, pois quando dobrava a esquina do corredor e me surpreendeu a observá-la esboçou um sorriso e perguntou-me: sou gostosa? Fiquei hirto como um criminoso apanhado em flagrante. Corei.
Bom! Voltando ao momento em que conheci a Márcia: Ela, ereta na minha frente, com o rosto perto do meu, disse, numa voz suave e xaroposa, que tinha muito gosto em me conhecer (havia uma modulação na sua voz que não identifiquei logo, fiquei a saber mais tarde que a modulação era o sotaque brasileiro) e encostou os lábios húmidos na minha bochecha. Uma mulher, que não era minha mãe nem minha irmã, dar-me um beijo, mesmo sendo um beijo instantâneo como a bicada de um pássaro, fez-me sentir de imediato o fluxo da adrenalina a fazer subir-me pelas veias até à cara uma corrente quente e o batimento do meu coração acelerou o ritmo. Atrás, imóvel, a empregada minhota, observava a minha reação, mas eu, fascinado como um passarinho pela serpente, não dei um pio. Em certos momentos fico assim, acabrunhado, sem saber como agir, ou o que dizer (eu era, e ainda sou, de rubor fácil, às vezes pergunto a mim mesmo porquê este comportamento tão embaraçoso). A sensação que começou a ganhar forma no meu subconsciente, obedeceu às leis inevitáveis do desejo, pois desenvolvi logo um fascínio erótico por Márcia. A empregada minhota tinha razão, fiquei realmente preso pelo beicinho.
A recordação mais perene e recorrente que tenho de quando conheci a Márcia é a do beijo na boca que ela me deu uns dias depois. Uma recordação juvenil, que tal como outras recordações juvenis, insiste em sobreviver ao meu envelhecimento. Foi na salinha do meu quarto, para onde ela sugeriu que fossemos. O meu quarto situava-se no rés-do-chão, quase de frente da lavandaria, e tinha uma pequena sala, geralmente usada pelas empregadas, pois tinha um sofá, uma mesa e duas cadeiras.
Quando nos sentamos à mesa frente a frente, ela disse: Queria tanto estar sozinha com você, eu, vencendo o encalhamento, perguntei-lhe, gaguejando as sílabas: Porque a senhora queria estar sozinha comigo? Ela roçou os meus lábios com os dedos e respondeu: Por favor, não me trate por senhora, trate-me por você como eu faço com você, e acrescentou: Queria estar sozinha com você para te conhecer melhor, acho lindo você ter a fotografia de Rita Pavoni junto da sua cama.
Naquele ano, a cantora italiana Rita Pavone, de quem eu era fã, tinha vindo a Portugal e eu fui ver o seu concerto. No final do concerto recebi uma foto dela com dedicatória e autógrafo que, na falta de uma foto de namorada (porque namorada me faltava), coloquei emoldurada na minha mesinha de cabeceira. Assim a baixinha sardenta, era última coisa que eu via antes de dormir e a primeira ao acordar.
A Márcia fez referência à foto de Rita Pavoni, pousando delicadamente a mão sobre a minha, acariciando-a. Eu, sentindo o rubor afoguear-me o rosto, retirei a mão como se me tivesse queimado, mas ela agarrou-a e aprisionando-a na sua como se aprisionasse um passarinho, disse que me achava muito bonito. Era um cliché, mas um sentimento pueril de presunção encheu-me a alma. Foi nesse instante magnético que aconteceu o beijo. Por instinto tentei desviar a cara quando ela, segurando firmamento a minha mão, debruçou-se sobre a mesa e aproximou o seu rosto ao meu, fazendo-me sentir o calor do seu hálito, mas não consegui evitar que a sua boca chocasse com a minha. Não resisti, deixei-me levar pela volúpia do beijo. A sensação voluptuosa provocou-me uma imensa vontade de rir com que a contagiei, rimo-nos à gargalhada durante largos segundos. Ainda hoje tenho sensação da sua língua a entrar e rodopiar na minha boca, como a recordação mais doce da minha adolescência. Talvez eu, inexperiente nas questões sentimentais, tenha sucumbido com demasiada facilidade ao entorpecimento do espírito a que chamamos líbido, pois apaixonei-me pela Márcia.
A data do meu aniversário aproximava-se, coincidiria com o dia de folga da Márcia, a um sábado, então combinamos um jantar comemorativo num restaurante. Ainda recordo o seu sorriso malicioso quando disse: Sim, vamos jantar fora, depois será o que Deus quiser, não é meu bem? Uma frase que durante os dias imediatos se repetiria na minha cabeça como o refrão de uma canção ouvida ao despertar.
Tal como combináramos, no dia do meu aniversário jantamos num restaurante e no fim do jantar ela disse que tinha uma prenda para mim e disparou à queima roupa: Hoje vamos fazer amor! Com estas palavras mágicas, os portões prodigiosos para o paraíso abriram-se de par a par diante de mim. Você quer? Eu não respondi logo, não por me faltar resposta convicta, mas perante aquela proposta tão peremptória e decidida, achei que antes devia lhe fazer a confidência. Concentrei-me para não gaguejar (mas gaguejei): Não sei como me portarei, é que ainda sou... foi ela que se encarregou de completar a frase: Virgem!?
Anuí com um breve maneio de cabeça e um sorriso. Revelar-lhe a minha virgindade tranquilizou-me, foi como se lhe pedisse condescendência, paciência e carinho. Ela franziu a testa por um segundo e depois os cantos da boca ergueram-se também num sorriso. Ficamos, tanto ela como eu, alguns segundos sorrindo em silêncio, como que a esperar que a palavra «virgem» assentasse. Depois ela debruçou-se sobre a mesa e aproximou a sua cara da minha, os seus lábios afloraram a minha orelha: Não seja bobinho, disse, como se fosse um segredo, a tua virgindade é um trunfo, te faz extremamente sedutor, sorriu e acrescentou, serei muito carinhosa com você, e permaneceu a sorrir afetadamente à espera da minha resposta. O seu sorriso, e atitude afetuosa, ofereceram-me confiança e, com um sorriso reciproco, respondi: Então vamos fazer amor. Era a minha decisiva oportunidade.
De táxi fomos para a baixa da cidade, no Rossio abeiramo-nos de um hotel, à porta estava um homem de uniforme, que sem nada lhe termos perguntado nos disse haver quartos vagos com muito conforto e asseio. Entramos, a recepção era num canto da sala do bar, dei o meu nome, paguei e recebi uma chave. Para mim a situação era tão nova, tão estranha que, num misto de vergonha e vaidade, senti-me alvo dos olhares das outras pessoas que estavam por perto.
O hotel não tinha elevador e o quarto situava-se no terceiro piso. A Márcia procedeu-me e eu persegui-a num ímpeto que foi aquecendo a cada degrau até entrarmos no corredor e depois no quarto. Ela trancou a porta e abraçou-me, nossas bocas colaram-se, nossas línguas entraram num frenesim louco, ávidas de luxúria, permitindo-me saborear toda a volúpia que o beijo continha. Quando nos largamos ela, sem pingo de pudor, começou a despir-se, tão delicadamente como uma serpente a sair da sua própria pele e, virando-se de costas para mim, pediu para eu lhe desprender o sutiã (fi-lo com dificuldade por não saber como funcionava os colchetes de um sutiã), depois colocou-se completamente nua à minha frente. Eu, num êxtase supremo, subjugado pela visão do seu corpo nu, não consegui mover-me. Era a primeira vez na vida que experimentava o gozo de ver ao vivo uma mulher nua. Ela ficou quieta, deixando-me apreciar o seu corpo. Os meus olhos perscrutam cada pormenor do seu corpo, belo e carnudo de pele escura acetinada, seios túmidos, como os das mulheres cujas fotos eram publicadas nas revistas para adultos, proibidas na época. Impulsionado pelo Armageddon erótico que tinha lugar dentro da minha cabeça, desejei abraçá-la, acariciá-la, beijar o seu corpo, quis avançar para ela, mas, como num pesadelo, as pernas não me obedeceram. Tentei dizer que ela era linda, mas a emoção teceu-me uma teia na garganta e as palavras ficaram presas na armadilha. Ela permanecia quieta, a uma distância de dois ou três passos, com os olhos fixos em mim, húmidos, não sei se comovida pelo meu êxtase, se pelo meu pudor em lhe tocar.
Finalmente consegui falar: Você é tão bonita!, Ela fez um gesto teatral de modéstia e respondeu: Nesta figura? depois, fazendo uma pose irónica, colocando a mão na anca, e numa expressão de impaciente disse: Querido! Despe-te, e lentamente começou a despir-me. Comecei a sentir a minha vergonha a desvanecer-se e apressei-me a tirar os sapatos, as meias e as calças, mas deixei ficar as cuecas, foi ela que as puxou para baixo, e meu sexo, como que impelido por uma mola saltou, túrgido e pulsante. Ela afasta-se um pouco e abre os olhos histrionicamente, mordisca o lábio inferior, recua mais um pouco e queda-se a observar a minha virilidade. Era evidente que se apercebia da importância do momento, não só pelo prazer que ela própria tivesse, mas também pelo prazer que me proporcionaria.
Estranhamente senti-me confortável com a minha nudez exposta ao olhar da Márcia (acho que estar nu perante uma mulher é algo sensual e libertador, a mim faz-me sentir plenamente livre, não sei se isto também acontece com os outros homens). Ela abriu a cama e caiu nela pesadamente de costas, estendeu os braços para mim e, com um certo prazer no timbre vocal, disse: Vem amor! Sentindo-me como um passarinho na hora do seu primeiro voo, prestes a lançar-se no vazio, fui.
Passamos a noite sendo um do outro, como se espera de dois amantes, comungando momentos de pura intimidade. A Márcia, era treze anos mais velha do que eu, e experiente na arte do prazer sexual, eu fui o seu aprendiz, mas, verdade seja dita, não sei se tecnicamente fiquei qualificado.
Aturdido de felicidade, extenuado e sonolento, adormeci. Acordei abraçado à Márcia, ela dormia. A claridade vaga da aurora entrava no quarto através do intervalo das cortinas, da rua chegava o bulício dos ruídos madrugadores da cidade.
A Márcia acordou quando a libertei do abraço, disse: Bom dia amor, e sentou-se direita ajeitando a almofada nas costas e eu imitei-a, ficamos largos minutos assim em silêncio, como se executássemos algum ritual, até que ela disse quase num murmúrio que queria que o tempo parasse e ficássemos sempre assim, depois acrescentou qualquer coisa sobre orgasmo. A palavra orgasmo era-me desconhecida, um dia depois procurei-a num dicionário.
Foi assim, deste modo, que fiz a minha entrada na sexualidade adulta.