OS GRILOS CANTORES
Embora os dias anteriores tenham sido de chuva e chuvisco, hoje esteve um dia soalheiro e seco. É Primavera, a estação das flores, dos perfumes silvestres e de algo que me encanta, o canto dos grilos.
O meu encanto pelo canto dos grilos persiste por força da recordação de quando eu era garoto caçar grilos e mantê-los em casa alimentados a alface.
Caçar grilos era naquele tempo uma arte que os mais novos aprendiam com os mais velhos. Geralmente formava-se um grupo de quatro ou cinco rapazes para caçar grilos e fazíamos disso um desafio.
A primeira coisa que fazíamos era levarmos na cabeça uma boina para transportar os grilos que conseguíssemos apanhar. Depois cada um colhia uma haste de aveia selvagem, limpava-se, retirando as espiguetas, ficando assim uma haste maleável numa das pontas para fazer cócegas ao bichinho, depois íamos para um local de onde se ouvia as serenatas, o cri-cri-cri-cri, geralmente era onde havia serralhas, pois são o principal alimento dos grilos.
Os grilos, só os machos, colocam-se na entrada da sua toca e cantam com estridência para conquistar uma companheira. Para os surpreender era necessário pôr-nos à escuta para localizarmos o local onde um cantava, depois aproximávamo-nos pé ante pé, devagarinho, levantando bem os pés, primeiro assentava-se o calcanhar, depois lentamente a planta, porque mesmo que pequeno o ruído de uma folha seca ao ser pisada alertava o cantor e ele refugiava-se na toca Se o grilo parasse de cantar, parávamos também de andar, retomando a progressão quando o voltávamos a ouvir, quando estávamos pertinho e o grilo se calava, era porque ele se refugiava na toca, às vezes ainda o surpreendíamos virado de frente para o refúgio de asas em concha a estridular. Quando isso não acontecia, procurávamos uma pequena área limpa de ervas e um buraco mais ou menos oblíquo. O buraco era a entrada da toca. Para fazer o morador sair da toca introduzíamos nela a haste devagarinho com suaves movimentos de vai e vem para que a ponta fizesse cócegas ao bichinho, fazendo que ele saísse. Outra técnica usada era urinar para o buraco, um acto pouco recomendável, tenho hoje consciência disso.
Quando o grilo saía da toca, apanhávamos com muito cuidado para não lhe trilhar as asas, pois estas constituem o seu aparelho estridulatório, e metíamo-lo na cabeça por baixo da boina.
E assim, no fim de algum tempo, regressávamos a casa com os bichinhos a fazerem-nos cócegas no couro cabeludo. Depois de exibirmos a colheita e sabermos quem era o campeão da caçada, colocávamo-los em gaiolas artesanais feitas por nós. Fazer as gaiolas para os grilos era também uma arte que os mais velhos ensinavam aos mais novos.
Outra actividade era fazer trocas de grilos cantores. Para sabermos se eram bons cantores assobiávamos uma melodia para os incitar. Um bom cantor valia dois que cantassem menos, grilo que não respondesse não valia nada e era devolvido ao campo (coitado do bichinho, traumatizado, sem namorada e sem casa).
Diziam que dava sorte ter grilos em casa como animais de estimação. Mas o tempo de sorte era curto, porque curto é o tempo de vida de um grilo adulto.
Diamantino Rosa.
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