domingo, 19 de setembro de 2010

Super Heroi


Morreu o meu irmão, o fascinante herói da minha infância, o meu super-herói. Nele se condensava todos os meus heróis invencíveis do Cavaleiro Andante, do Falcão, do Mosquito e de outras revistas, cujo nome já esqueci. Revistas que ele partilhava comigo. Eu via os bonecos e ele lia-me as legendas, até eu as aprender a ler.

Ele foi o Tim-Tim, o Superman, Batman, o Tarzam, o Zorro, o Fantasma, o Cisco the Kid, o Mandrake, o David Crochett e muitos outros que a falta de memória, não me permite evocar. Heróis do meu tempo de menino.
Foi ele que me levou ao cinema pela primeira vez, teria eu quatro anos, ou talvez cinco. E depois, muitas outras vezes, quando os filmes eram de aventuras, com desenhos animados na primeira parte de sessão. Lembro-me que entrava no cinema à socapa, certamente com a cumplicidade do cobrador de entradas. Enquanto o filme não começava e depois nos intervalos ou quando a fita se quebrava, o meu irmão vendia amendoins, pevides e grão-de-bico torrado. «Quem quer alcagoitas ou pevides» era o seu pregão que ainda me parece ouvir.
Quando acabava a sessão, regressávamos os dois a casa, por ruas e ruelas às escuras, de mãos dadas, revendo e comentando as cenas mais empolgantes: Batalhas navais entre flibusteiros, lutas de espada ou a murro, tiroteios, cavalgadas e perseguições de índios hostis no far west. Estes regressos a casa eram uma parte tão substancial de ir ao cinema como os próprios filmes. 

Em casa, ele improvisava para mim e para a nossa irmã mais nova, sessões de cinema com um jogo de espelhos e as silhuetas dos heróis que ele tirava das revistas. Ele Inventava o enredo e fazias as vozes. Os cenários eram reais e a cores. A nossa rua vista no sentido longitudinal. Um espelho na janela enviava a imagem em tempo real da rua e do que lá se passasse, para um outro colocado na parede perpendicular e este projectava através da porta do quarto mesma a imagem esbatida para a parede da casa de entrada, às escuras. Claro que a qualidade resultante, era inqualificável, todavia encantatória. O que interessava era a magia, a emoção de vermos as personagens heroicas num cenário em tempo real que nos entrava em casa. A nossa rua.
Foi ele que me ensinou a ler, a escrever, a imaginar, a sonhar, a perseguir objectivos.

Morreu o meu irmão, meu amigo, meu herói. Tinha 75 anos, e uma doença que o debilitava, que o arrastava para o abismo. Lutou com ela enquanto pôde como um herói. Como os meus heróis invencíveis da banda desenhada e do cinema. Todavia na vida real, a vitória final é sempre do inimigo.
Hoje, Domingo, 19 de Setembro de 2010, foi o seu funeral e o seu corpo cremado conforme a sua vontade.

Paz à sua alma.

Diamantino Rosa