Morreu o meu irmão, o fascinante herói da minha infância, o
meu super-herói. Nele se condensava todos os meus heróis invencíveis do
Cavaleiro Andante, do Falcão, do Mosquito e de outras revistas, cujo
nome já esqueci. Revistas que ele partilhava comigo. Eu via os bonecos e
ele lia-me as legendas, até eu as aprender a ler.
Ele foi o Tim-Tim, o Superman, Batman, o Tarzam, o
Zorro, o Fantasma, o Cisco the Kid, o Mandrake, o David Crochett e muitos
outros que a falta de memória, não me permite evocar. Heróis do meu tempo de
menino.
Foi ele que me levou ao cinema pela primeira
vez, teria eu quatro anos, ou talvez cinco. E depois, muitas outras vezes,
quando os filmes eram de aventuras, com desenhos animados na primeira parte de
sessão. Lembro-me que entrava no cinema à socapa, certamente com a
cumplicidade do cobrador de entradas. Enquanto o filme não começava e depois
nos intervalos ou quando a fita se quebrava, o meu irmão vendia amendoins, pevides e
grão-de-bico torrado. «Quem quer alcagoitas ou pevides» era o seu pregão
que ainda me parece ouvir.
Quando acabava a sessão, regressávamos os
dois a casa, por ruas e ruelas às escuras, de mãos dadas, revendo e comentando
as cenas mais empolgantes: Batalhas navais entre flibusteiros,
lutas de espada ou a murro, tiroteios, cavalgadas e perseguições de índios
hostis no far west. Estes regressos a casa eram uma parte tão substancial de ir ao cinema como os próprios filmes.
Em casa, ele improvisava para mim e para
a nossa irmã mais nova, sessões de cinema com um jogo de espelhos e as
silhuetas dos heróis que ele tirava das revistas. Ele Inventava o enredo e
fazias as vozes. Os cenários eram reais e a cores. A nossa rua vista no sentido
longitudinal. Um espelho na janela enviava a imagem em tempo real da rua e do
que lá se passasse, para um outro colocado na parede perpendicular e este
projectava através da porta do quarto mesma a imagem esbatida para a parede da
casa de entrada, às escuras. Claro que a qualidade resultante, era
inqualificável, todavia encantatória. O que interessava era a magia, a
emoção de vermos as personagens heroicas num cenário em tempo real que nos
entrava em casa. A nossa rua.
Foi ele que me ensinou a ler, a escrever, a
imaginar, a sonhar, a perseguir objectivos.
Morreu o meu irmão, meu amigo, meu herói.
Tinha 75 anos, e uma doença que o debilitava, que o arrastava para o abismo.
Lutou com ela enquanto pôde como um herói. Como os meus
heróis invencíveis da banda desenhada e do cinema. Todavia na vida real, a
vitória final é sempre do inimigo.
Hoje, Domingo, 19 de Setembro
de 2010, foi o seu funeral e o seu corpo cremado conforme a sua
vontade.
Paz à sua alma.
Diamantino Rosa