quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Brincar na rua



Nos tempos que correm, qual é o miúdo que não utiliza as novas tecnologias para brincar em casa, seja nos jogos de computador ou de consola tipo «Playstation», e ultimamente num telemóvel moderno (smartphone), em detrimento das brincadeiras ao ar livre, porventura mais saudáveis. Os próprios pais preferem tê-los em casa do que na rua, sujeitos a que lhes roubem o telemóvel ou os ténis de marca. Isto para não falar de outros perigos de maior gravidade.
No meu tempo de garoto, quer chovesse ou fizesse sol, brincava-se na rua os jogos populares naquela época, como, por exemplo, os do berlinde e da carica.
Os berlindes, geralmente de vidro colorido, compravam-se nas lojas por uns poucos tostões e havia outros que nem era preciso comprar, eram os berlindes dos pirolitos, parentes pobres dos primeiros.
Recordo que naquele tempo, não havia «Coca-cola» nem «Seven-up». No entanto havia uma bebida excepcional: O pirolito. Quem desconheça o que era um pirolito, fique sabendo que era um simples refrigerante, uma bebida gaseificada, doce e com sabor a limão. Em Monchique havia, na rua conhecida como "Caminho do Vale", uma fábrica de pirolitos. 

A excepcionalidade do pirolito estava na forma da garrafa e no seu sistema de fecho hermético.
A garrafa era de vidro grosso e não tinha rótulo de marca, o gargalo era cónico e dentre dele, estava uma esfera também de vidro, o chamado berlinde, a servir de tampa, este não saía da garrafa, pois não passava pela parte superior do gargalo e também não caía no fundo, porque duas mossas no estremo inferior do gargalo o impedia.
Quando a garrafa era enchida com o líquido, a pressão do gás empurrava o berlinde de encontro a uma anilha de borracha, o vedante, que estava na parte de cima no interior do gargalo e assim ficava fechada hermeticamente. Para a abrir, bastava fazer pressão no berlinde para o fazer descer, os adultos faziam-no com o dedo polegar, mas para nós, a garotada, a melhor maneira era com uma chave, que nós próprios fazíamos com um carrinho de linhas vazio, que era de madeira (agora os carrinhos de linhas, que as costureiras usam, são de cartão). Cortávamos um dos lados ou seja uma das rodas do carrinho, ficando assim apenas uma roda e o eixo. O «modus operandi» era simples: enfiávamos o eixo na garrafa e dávamos no outro lado, na roda, uma pancada com a mão, o berlinde descia fazendo o som característico de vidro contra vidro, enquanto saía da garrafa, uma fumaça de gás carbónico, estava aberto o pirolito. Quando a garrafa se partia, o berlinde servia para jogarmos ao dito.
Havia várias modalidades no jogo do berlinde, a mais popular era «às três covas»
Três covas em linha recta, joelho no chão, dedo médio ou indicador no polegar. Cada jogador lançava o seu berlinde, projectando-o com uma pancada com o dedo, e quem conseguisse chegar mais longe começava tentar pôr o berlinde sucessivamente nas 3 covas. Quando se conseguia chegar à última cova fazia-se o percurso no sentido oposto. À medida que íamos concluindo estas etapas, ficávamos com o direito de tentar acertar nos berlindes dos outros jogadores, apoderando-nos assim dos berlindes que conseguíssemos alvejar.

Os pirolitos de Monchique desapareceram, creio que proibidos por não ser higiénico a sua abertura com o dedo e deram lugar às gasosas em garrafas fechadas com as actuais caricas (cápsulas metálicas), estas chegavam à vila vindo de outras cidades.
Por consequência da nova bebida, o jogo do berlinde teve a concorrência de um novo jogo, «o jogo da carica». Uma espécie de corridas de carros, com dois ou mais participantes.
Cada participante, tinha uma carica identificada com o seu nome e na sua vez, fazia-a avançar com uma pancada com o dedo, por uma estrada às curvas, desenhada a giz no piso de alcatrão de uma rua, onde a passagem de carros era tão escassa, que quando ocorria, mais parecia ser uma aparição vinda de outro planeta. Se alguma carica saísse da estrada desenhada, começava do princípio. Ganhava a corrida quem chegasse primeiro à meta.
Estes jogos praticados em grupo e ao ar livre, eram sem dúvida, mais económicos e sociais, do que os actuais jogos de «Playstation» e quejandos.