(Xarém, é uma expressão árabe usado no Algarve que significa papas de milho)
Fui,
enquanto criança, alimentado a papas de milho, era à época a alimentação dos
pobres.
Na
versão mais simples e mais pobre, as papas são feitas só com água, sal,
azeite e farinha de milho. Na serra onde nasci e vivi os primeiros anos, as
pessoas quando tinham posses para isso, faziam as que chamavam, papas com
piques, nestas adicionavam toucinho frito e às vezes também: presunto, chouriço
e carne de porco igualmente frita. Na minha família, como o meu pai era pastor
de um rebanho de cabras, também comíamos as papas feitas com leite. Todas estas
papas, eram muito saborosas, mas delas o que eu mais gostava, era das raspas, a
película queimada que ficava agarrada ao fundo do tacho.
No
Algarve, fazem-se papas com quase tudo: hortaliças, carnes, peixes, bivalves e
crustáceos. Também se aproveita a água da cozedura de hortaliças, carne ou
peixe. Pode-se dizer que nas papas é como no amor, vale tudo desde que
saiba bem.
Quando
eu, ainda rapazinho, fui como criado (moço de servir) para uma quinta rural na
aldeia da Luz (na altura, esta pequena povoação junto da praia da Luz,
era ainda uma pacata comunidade agrícola e piscatória. Actualmente é uma
vila turística e até mudou de nome, agora chama-se «Praia da Luz», ficou
muito conhecida por causa do desaparecimento misterioso, em Maio
de 2007, da Maddie McCann, a menina de 3 anos, filha de um casal de
turistas ingleses).
Logo
no meu primeiro dia na quinta, a minha patroa fez para o jantar papas à maneira
do litoral. O muito apreciado, «xerém com conquilhas» (uma das
receitas intemporais do Algarve, até foi candidata às 7 maravilhas da
nossa gastronomia).
Na quinta
produzia-se milho para vender, mas da colheita de cada ano, uma
porção ficava para consumo da casa e era moído conforme as necessidades
numa mó artesanal feita de pedra.
É ainda com uma pontinha de saudade que
recordo os momentos de contornos quase mágicos, quando eu a minha
patroa moíamos o milho, sentados no chão de frente um para o outro sobre
uma esteira com a mó no quadrilátero formado pelas nossas pernas . Nesses dias
era certo e sabido ser de papas o nosso jantar.
Eis uma forma simples de fazer um xarém com
conquilhas.
Ponha
ao lume água num tacho, quando a água estiver quente, mas ainda não a ferver,
adicione pouco a pouco a farinha de milho, mexendo sempre até começar a ferver
para impedir a formação de grumos. Tenha ao seu lado um recipiente com água
quente para adicionar se for necessário de modo que as papas fiquem com a consistência
que você gostar.
Quando
começar a ferver, ponha as conquilhas bem lavadas, tempere com sal e azeite, se
gosta também umas folhas picadas de coentros, deixe cozer mexendo de vez
em quando para evitar que as papas se queimem e se agarrem ao
fundo do tacho. Se gostar de toucinho frito, pode adicionar umas tirinhas
e a gordura da fritura. Prove para confirmar se a farinha está cozida e o
tempero ao seu gosto. Sirva quente.
Bom
apetite.
Algumas dicas para a confecção de papas:
Pode
começar por fazer um refogado de cebola e alho e depois adicionar a água.
250g
de farinha de milho dará para quatro pessoas.
A
farinha ao cozer aumenta um pouco de volume, por isso tenha atenção ao tamanho
do tacho.
O
tempo de cozedura varia conforme a intensidade da fonte de
calor.
Se
quiser fazer o dito «xerém com conquilhas» e não encontrar estes bivalves
(nalgumas regiões chamam-se cadelinhas), faça com amêijoa
ou berbigão.
Não se
esqueça que os bivalves têm que estar limpos de areia e lavados. Nas lojas de
marisco vivo, já estão limpos de areia.
Se
preferir, pode pré-cozinhar os bivalves e separar as cascas, adicionando só os
miolos.
Os
ingredientes quando pré-cozinhados devem ser adicionados depois de as papas
estarem cozidas.
Nas
papas não há limites à imaginação. Feitas com leite, servidas ainda
quentes polvilhadas com canela e açúcar são um excelente lanche ou
sobremesa. Frias permite que sejam cortadas e servidas às fatias como uma tarte.