quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Xerém de conquilhas


(Xarém, é uma expressão árabe usado no Algarve que significa papas de milho)




Fui, enquanto criança, alimentado a papas de milho, era à época a alimentação dos pobres.
Na versão mais simples e mais pobre, as papas são feitas só com água, sal, azeite e farinha de milho. Na serra onde nasci e vivi os primeiros anos, as pessoas quando tinham posses para isso, faziam as que chamavam, papas com piques, nestas adicionavam toucinho frito e às vezes também: presunto, chouriço e carne de porco igualmente frita. Na minha família, como o meu pai era pastor de um rebanho de cabras, também comíamos as papas feitas com leite. Todas estas papas, eram muito saborosas, mas delas o que eu mais gostava, era das raspas, a película queimada que ficava agarrada ao fundo do tacho.
No Algarve, fazem-se papas com quase tudo: hortaliças, carnes, peixes, bivalves e crustáceos. Também se aproveita a água da cozedura de hortaliças, carne ou peixe. Pode-se dizer que nas papas é como no amor, vale tudo desde que saiba bem.

Quando eu, ainda rapazinho, fui como criado (moço de servir) para uma quinta rural na aldeia da Luz (na altura, esta pequena povoação junto da praia da Luz, era ainda uma pacata comunidade agrícola e piscatória. Actualmente é uma vila turística e até mudou de nome, agora chama-se «Praia da Luz», ficou muito conhecida por causa do desaparecimento misterioso, em Maio de 2007, da Maddie McCann, a menina de 3 anos, filha de um casal de turistas ingleses).
Logo no meu primeiro dia na quinta, a minha patroa fez para o jantar papas à maneira do litoral. O muito apreciado, «xerém com conquilhas» (uma das receitas intemporais do Algarve, até foi candidata às 7 maravilhas da nossa gastronomia).
Na quinta produzia-se milho para vender, mas da colheita de cada ano, uma porção ficava para consumo da casa e era moído conforme as necessidades numa mó artesanal feita de pedra. 
É ainda com uma pontinha de saudade que recordo os momentos de contornos quase mágicos, quando eu a minha patroa moíamos o milho, sentados no chão de frente um para o outro sobre uma esteira com a mó no quadrilátero formado pelas nossas pernas . Nesses dias era certo e sabido ser de papas o nosso jantar.


Eis uma forma simples de fazer um xarém com conquilhas.

Ponha ao lume água num tacho, quando a água estiver quente, mas ainda não a ferver, adicione pouco a pouco a farinha de milho, mexendo sempre até começar a ferver para impedir a formação de grumos. Tenha ao seu lado um recipiente com água quente para adicionar se for necessário de modo que as papas fiquem com a consistência que você gostar.
Quando começar a ferver, ponha as conquilhas bem lavadas, tempere com sal e azeite, se gosta também umas folhas picadas de coentros, deixe cozer mexendo de vez em quando para evitar que as papas se queimem e se agarrem ao fundo do tacho. Se gostar de toucinho frito, pode adicionar umas tirinhas e a gordura da fritura. Prove para confirmar se a farinha está cozida e o tempero ao seu gosto. Sirva quente.
Bom apetite.

Algumas dicas para a confecção de papas:

Pode começar por fazer um refogado de cebola e alho e depois adicionar a água.
250g de farinha de milho dará para quatro pessoas.
A farinha ao cozer aumenta um pouco de volume, por isso tenha atenção ao tamanho do tacho.
O tempo de cozedura varia conforme a intensidade da fonte de calor.
Se quiser fazer o dito «xerém com conquilhas» e não encontrar estes bivalves (nalgumas regiões chamam-se cadelinhas), faça com amêijoa ou berbigão.
Não se esqueça que os bivalves têm que estar limpos de areia e lavados. Nas lojas de marisco vivo, já estão limpos de areia.
Se preferir, pode pré-cozinhar os bivalves e separar as cascas, adicionando só os miolos.
Os ingredientes quando pré-cozinhados devem ser adicionados depois de as papas estarem cozidas.
Nas papas não há limites à imaginação. Feitas com leite, servidas ainda quentes polvilhadas com canela e açúcar são um excelente lanche ou sobremesa. Frias permite que sejam cortadas e servidas às fatias como uma tarte.